Revista de Ciências da Administração
A ADMINISTRAÇÃO DOS CIBERTRIBUTOS
Luis Carlos Cancellier de Olivo
RESUMO
O presente trabalho identifica alguns procedimentos que ocorrem no ciberespaço, como a
tributação dos provedores de internet. Debate também o recolhimento do Imposto
de Renda e do
IPVA através da rede, bem como discute a extensão da imunidade ao livro eletrônico e ao ensino à
distância. Indica como a União Européia está enfrentando a tributação dos negócios realizados via
correio eletrônico. Situa, por fim, operadores jurídicos e administradores diante deste fenômeno da
realidade digital, que é a existência dos cibertributos.
PALAVRAS-CHAVE
Internet, tributação, comércio eletrônico.
ABSTRACT
This work identifies some procedures that happen in the cyberspace scope, like the WEB
providers tributation. It also discusses the charging of some taxes as the income tax and the IPVA
through the Net, as well as the duty-free eletronic book
and distance education. It presents how the
EU is facing the tributation of business by e-mail. Finally, it establishes the view of the managers and
law professionals regarding this digital reality phenomenon, the "cibertax".
KEY WORDS
Internet, tributation, e-commerce
1. INTRODUÇÃO
É preciso, antes de mais nada, alertar que esta é uma área nova para a qual tanto os
estudiosos do direito quanto os da ciência da administração, notadamente no campo de marketing e
vendas, ainda buscam consolidar um teoria a partir de uma experiência prática incipiente. E tratar,
dentro deste campo específico que é o mundo virtual, de um tema ainda mais específico a tributação
exige necessariamente
que se estabeleça a comparação com as práticas administrativas e o direito
praticado no chamado "mundo real". Portanto, ao estudarmos esta nova categoria os cibertributos
devemos considerar que o seu ponto de partida está na legislação já codificada que para não ficar
superada, precisa ser atualizada e interpretada diante dos novos fatos proporcionados pela realidade
digital.
(*) Mestrando em Direito /CPGD-U FSC e Professor Substituto de Direito Administrativo na UFSC. Professor de Ética e
Legislação Profissional nos cursos de Administração e Publicidade da UNIS UL. Autor de "Direito e Internet: a regulamentação do
ciberespaço",2. ed. Florianópolis :UFSC-CIASC, 1999.
A administração dos cibertributos
Entendemos correta a análise de BOBBIO (1992) segundo a qual os direitos humanos são
direitos históricos representativos de determinadas circunstâncias sócio-econômico-políticas e
culturais.
Assim, em relação à divisão dos direitos em geração, nos moldes de BOBBIO, temos: a)
Direitos de Primeira Geração : direitos individuais, que deram base para a formação do Estado
Moderno; são os direitos da liberdade; b) Direitos de Segunda Geração : direitos sociais, que incluem
os sujeitos num contexto social, pressupondo a intervenção do Estado na realização da justiça social;
são os direitos da igualdade; c) Direitos de Terceira geração : direitos transindividuais, coletivos, que
envolvem os consumidores e o meio ambiente; são os direitos da solidariedade;
Haveria ainda, segundo OLIVEIRA JUNIOR (1996) mais duas gerações de direitos,
assim definidos: d) Direitos de Quarta Geração : direitos de manipulação genética, da biotecnologia,
da bioengenharia, que envolvem o debate sobre a bioética; e) Direitos de Quinta geração : direitos da
realidade virtual, da informática e da internet.
É neste quadro, de direitos de Quinta Geração, que se situa o debate sobre os cibertributos.
NOVA PLATAFORMA
Embora reconheça que a internet seja uma invenção importante, SAMUELSON
(2000)sublinha que ela precisa ser mais do que uma plataforma de correio eletrônico e marketing,
para atingir viabilidade econômica, pois embora explosiva, "ela é agora em grande parte uma caridade
capitalista".
As grandes fortunas da internet originam-se principalmente da especulação com ações ou
da construção da infra-estrutura. Em 99, esses gastos foram de US$ 366 bilhões. "Cedo ou tarde, o
investimento precisa ter um retorno, ou cessará. Mesmo que a internet floresça, ficará menor do que
as grandes coisas de antigamente", prevê SAMUELSON (ibidem).
ECONOMIA DIGITAL
Em sentido contrário, há quem considere que entre tantos avanços tecnológicos
registrados ao longo do século 20, nenhum tem tido maior impacto do que os que integram a chamada
tecnologia da informação.
Uma pesquisa feita pela Inktomi, uma companhia de programas de busca, de endereços na
internet, e pelo Instituto de Pesquisas NEC, no final do ano passado calculou em 1 bilhão o número
de sites individuais na internet.
Estas são as bases de uma nova economia digital.: o número de e-mails expedidas via WEB
alcança a marca de 5 bilhões por dia, contra 4 bilhões de chamadas telefônicas convencionais.
Nos dez maiores Websites de comércio eletrônico do inundo, informa SIQUEIRA (200)
"estão empresas que apontam para um novo paradigma". Entre elas, destacam-se a Cisco, a Microsoft,
a Amazon.com e a Dell Computer, que é a maior fabricante mundial de microcomputadores. Ela não
possui qualquer loja revendedora e comercializa tudo através da WEB ou pelo telefone.
NEGROPONTE (1995), fundador e diretor do Media Lab do Massachusetts Institute of
Technology (MIT), previu que até o final do ano 2000 a rede teria 1 bilhão de usuários. Segundo ele, a
Net foi subestimada no seu início tanto por pessoas quanto por empresas e governos, que agora
demonstram dificuldade em acompanhar sua evolução.
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Revista de Ciências da Administração
Entretanto, dados levantados pela PrincipaL com. publicados na edição de 07 de março do
jornal Folha de São Paulo, apontavam para a existência de 220 milhões de usuários em todo o Planeta
no início do ano 2000.
4. MERCADO EUROPEU E O IVA
A Comissão de especialistas designada pela União Européia para tratar da questão do
comércio eletrônico e fiscalidade indicou, em 1997, que para o seu desenvolvimento seria crucial que
os sistemas fiscais proporcionassem : a) segurança jurídica, de modo a que as obrigações fiscais
fossem claras, transparentes e previsíveis ; b) neutralidade fiscal, para que estas novas atividades não
estivessem sujeitas a encargos maiores do que o comércio mais tradicional.
Os três fatores básicos a nortear a regulamentação jurídica do comércio eletrônico nos
países europeus seriam a segurança, a simplicidade e neutralidade, consideradas essenciais para
garantir condições concorrenciais equitativas para todos os operadores num mercado global em
desenvolvimento e evitar as distorções de mercado.
Como salienta PEREIRA (1999), é fundamental que na questão do comércio eletrônico se
crie "um ambiente jurídico favorável à confiança jurídica", levando em conta principalmente os
interesses dos consumidores.
A internet, ressalta a Comissão européia, evolui rapidamente de um simples instrumento
de comunicação para se tornar uma plataforma comercial a nível mundial. A comunidade empresarial
já tomou consciência do seu potencial como meio de comercialização e de vendas, quer no domínio
do comércio eletrônico "indireto" (encomenda eletrônica de bens materiais) quer do comércio
eletrônico "direto" (encomenda por via eletrônica e entrega de produtos e serviços em linha através da
rede).
Entre as principais orientações da Comissão destacam-se:
No domínio da fiscalidade indireta, todos os esforços devem se centrar para adaptar os
impostos existentes e em especial o IVA, a fim de fazer face à evolução do comércio
eletrônico. Por conseguinte, não estão previstos quaisquer impostos novos ou
suplementares.
Urna transação por meio da qual um produto é colocado à disposição do destinatário
sob forma digital através de uma rede eletrônica, deve ser considerada, para efeitos do
IVA, urna prestação de serviços
O sistema comunitário do IVA deve garantir que os serviços introduzidos no consumo
na União Européia, independentemente de serem ou não prestados por via eletrônica,
sejam tributados no território da UE, qualquer que seja a sua origem; e que tais serviços
prestados por operadores comunitários e consumidos fora da União Européia não
sejam sujeitos a IVA no território da UE, podendo o correspondente IVA ser passível
de dedução.
O cumprimento das obrigações por parte de todos os operadores no domínio do
comércio eletrônico deve ser o mais fácil e simples possível.
O sistema fiscal e os seus instrumentos de controle devem garantir que a tributação seja
efetivamente aplicada à prestação de serviços por via eletrônica na União Européia,
tanto às empresas como aos particulares.
Sob reserva da adoção de condições uniformes a nível comunitário, as administrações
fiscais devem proporcionar aos operadores que participam no comércio eletrônico os
meios necessários ao cumprimento das suas obrigações fiscais em matéria de IVA
através de declarações e de uma contabilidade por via eletrônica.
a Cm•
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A administração dos cibertributos
5.0 PAPEL DA FAZENDA NACIONAL
No contexto deste quadro de informacionalização da sociedade, cabe destacar a atuação,
no Brasil, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, que freqüentemente é citada como exemplo de
órgão público que bem utiliza os recursos da internet, no sentido de aproximar o contribuinte da
administração tributária.
Segundo CASTRO (1999), em bem elaborado estudo, o primeiro serviço oferecido pela
PGFN na internet foi a emissão de certidão negativa quanto à dívida ativa da União (Portaria PGFN
n° 414, de 15 de julho de 1998 - DOU de 17 de julho seguinte). A iniciativa foi um sucesso, visto que o
site do órgão contabiliza uma média diária de mais de 1.200 certidões negativas emitidas.
A PGFN lançou pela rede o serviço de emissão de Documento de Arrecadação de Receitas
Federais - DARF para pagamento de dívida inscrita. A partir do número de registro no Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ, ou do número de registro CPF, e do número da inscrição em
Dívida Ativa da União é possível obter um DARF preenchido a ser utilizado para pagamento do
débito.
IPVA ON LINE
Em termos estaduais, merece registro a atuação da Secretaria Estadual da Fazenda do
Estado de São Paulo, que deu o primeiro passo no sentido de utilizar a internet para a cobrança do
Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) referente ao ano de 2000. Por
enquanto a iniciativa está limitada à concessão de segunda via para o contribuinte que não recebeu a
guia em sua residência ou a perdeu. Neste caso, ao invés de buscar na Caixa Econômica Federal ou em
um despachante, basta ao contribuinte entrar no site da Secretaria wwwfazenda.sp.gov.br e clicar em
"emissão de guias". No site da Secretaria da Fazenda há respostas às dúvidas mais freqüentes. Um
telefone, o Disque IPVA, fornece informações digitalizadas.
IMPOSTO DE RENDA
No ano de 1999, cerca de 11 milhões de contribuintes brasileiros fizeram suas declarações
de Imposto de Renda, sendo que destes 60% utilizaram a internet. Três anos antes, entretanto,
quando a Receita inaugurou este serviço, parte da comunidade jurídica mostrou-se cética em relação à
sua legalidade. Mesmo assim, cerca de 500 mil pessoas optaram pela rede.
"A declaração de imposto de renda feita através da internet e o comprovante fornecidos
pela Receita federal através da rede não tem eficácia jurídica e o contribuinte deve exigir um
comprovante jurídico válido", afirmou, na época, o professor CÉSAR RIBEIRO (1996). Naquela
ocasião, opinou RIBEIRO que o sistema utilizado pela Receita apenas garantia o sigilo da
transmissão, não fazendo uso em nenhum instante da assinatura digital. Como se vê atualmente, este
tipo de preocupação já não mais existe, e a utilização da internet para efeitos de declaração de imposto
de renda e acompanhamento da liberação dos lotes de restituição está incorporada ao cotidiano dos
contribuintes brasileiros.
Conforme informações prestadas pela Receita Federal, a entrega de declarações pela
internet por intermédio do "Receitanet" é segura. Há todo um esquema preparado para evitar falhas
de segurança. O contribuinte poderá certificar-se da entrega da declaração por intermédio do Recibo
de Entrega.
CouP.111.4.4.1.11. 4.4.0GO
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Revista de Ciências da Administração
INTERNET GRÁTIS
Se a declaração do Imposto de Renda já não é mais novidade, o mesmo não se pode dizer da
possibilidade do fornecimento do acesso gratuito à rede. Empresas como a BOL e o ZIPMAIL
fornecem correio eletrônico gratuito, enquanto que outras, como a IG e a Superl 1.net oferecem o
próprio acesso. O que antes estava limitado ao serviço público, a partir do início do ano 2000 atingiu
ao grande público indistintamente.
A Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede
Internet (ABRANET) recorreu ao CADE ( Conselho de Administração Defesa Econômica, órgão
do Ministério da Justiça) contra a decisão de alguns bancos brasileiros de oferecer acesso gratuito à
internet para os seus clientes. A ABRANET alegou também que a operadora Telefônica estaria
atuando como provedor de acesso aos bancos, infringindo o princípio geral de isonomia e
universalização de acesso.
COMÉRCIO ELETRÔNICO TRIBUTÁVEL
A possibilidade de fornecimento de acesso gratuito à internet está relacionada com a
expectativa do crescimento do comércio eletrônico, que já se verifica desde os primeiros meses do
ano 2000, motivada principalmente pela gigantesca fusão AOL-TIME WARNER. A questão que
está na ordem do dia é saber "como vai ser exercido o poder de tributar as novas formas de criação e
circulação de riquezas em que se constitui o e-commerce".
Pertinente é a indagação de LUNA FILHO (1999) : como conciliar as exigências estatais
de manter e preservar suas fontes de receita, quando se passa de uma economia sustentada pelas
trocas e circulação de bens materiais tangíveis para uma nova economia centrada na informação ? Na
expressão de NEGROPONTE (1995), saímos da realidade do átomo, concreta, física, para a
realidade digital, virtual, dos bits.
Corno tributar transações correntes na internet, adequando as operações virtuais e o
poder de tributar às condições atuais de nossa economia e dos estatutos jurídicos vigentes. Este é o
ponto que está a merecer a atenção dos tributaristas, e para o qual os estudos ainda estão em fase
embrionária.
"Tributar, então, o que está acontecendo na rede, segundo a visão do legislador da era pré-
Internet, é uma imprevisão. Nosso sistema tributário não foi concebido para uma economia que não
fosse centrada na produção e propriedade de bens materiais", adverte o citado autor.
10. IMUNIDADE PARA O COMÉRCIO ELETRÔNICO
Lembra LUNA FILHO (1999) que enquanto a internet não adquiriu características de
local de realização de trocas econômicas, de canal de circulação e de alocação de riquezas, o Estado
pouco se preocupava.
Mas "quando se constata transferência acelerada de atividades de caráter econômico e a
geração de valores, atitudes, meios, instrumentos exclusivos para a operação e o uso das
potencialidades informacionais da internet, o Estado desperta para a questão do controle legal da
internet, do exercício da sua soberania sobre a rede, e atenta para eventuais perdas desse controle ou
de soberania em relação aos usuários, as trocas e operações correntes na internet" (LUNA FILHO,
1999).
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A administração dos cibertributos
Não existe, diz ele, a previsão legal para tributar o tráfego de dados, da mesma maneira
como não existe previsão legal para tributar-se o envio de mensagens faxeadas pela linha telefônica,
uma vez que o fato imponível, nesse exemplo, será e permanece sendo a comunicação telefônica, ou o
ato de conectar dois aparelhos telefônicos, por meio dos sistemas instalados e operados pelas
empresas de telecomunicação.
A venda de bens materiais, utilizando canais de divulgação, publicidade e contato mediado
entre fornecedor e consumidores, possibilitados pela internet, não difere da venda por
correspondência ou do telemarketing, fato em si, e por si, imponível e já tributado, previamente,
como operação estritamente comercial, cujo fato gerador é a mera tradição da mercadoria física, ou a
sua saída do estabelecimento do vendedor.
11.ICMS PARA O PROVEDOR
No âmbito do espaço cibernético, o provedor desempenha um papel fundamental, pois é
ele que faz a ponte entre o usuário e a grande rede. Em termos de cibertributos, um primeiro aspecto a
ser considerado é quanto ao perfil tributário do provedor de internet. Segundo FERREIRA
SOBRINHO, a palavra provedor tem dupla significação no campo da internet: de um lado significa
aquele que alimenta a rede com informações e de outro significa aquele que viabiliza a conexão de
alguém à rede. Ambos - o provedor de acesso e o provedor de informação atuam como um elemento
de ligação entre a grande rede e o usuário.
O problema a ser resolvido e que envolve doutrinadores, empresários e o Fisco, deve ser
colocado nos seguintes termos: é possível tributar, através do ICMS, tal atividade, pela via conceitual
do serviço de comunicação?
A Secretaria da Fazenda de Santa catarina, segundo FAUSTO BOTELHO (1999),
entende que sim, visto que o ICMS incide sobre todas as prestações de serviço de comunicação, por
qualquer meio. Assim sendo, os provedores de internet devem recolher ICMS sobre os serviços de
comunicação prestado.
O Estado do Paraná entendeu também cabível a tributação, pois o provedor de
informações atuaria em dois momentos distintos: a) de planejamento - que configuraria prestação de
serviços não tributável pelo caminho do ICMS; b) de comunicação do material, ou seja, a alimentação
da rede com dados de índole comercial - campo tributável através de ICMS.
O CONFAZ ( Conselho Nacional de Política Fazendária) entendeu que o serviço de
acesso à internet caracteriza-se como serviço de telecomunicações e que, portanto, estaria sujeito à
incidência do ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e não do ISS - Imposto
sobre Serviços de Qualquer Natureza, o qual vem sendo recolhido até o momento.
A alíquota do ICMS para serviços de telecomunicações é de 25%, enquanto a alíquota do
ISS varia de O a 5 % , conforme a legislação do município em que o serviço é prestado.
Segundo parecer do consultor jurídico da ABRANET, ALLAYMER BONESSO (1999),
esta pretensão é ilegal, pois o ICMS incide apenas sobre o serviço de comunicação, prestados pelas
companhias telefônicas que já é tributado na conta telefônica. Não se aplica aos Provedores de
Acesso, de Serviços ou de Comunicações, o ICMS, uma vez que as mesmas prestam, nos termos da
Lei 9.295 de 19 de Julho de 1996, um Serviço de Valor Adicionado, não se caracterizando como
exploração de serviços de telecomunicações, que são tributados pelo mencionado ICMS.
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PROVEDOR E SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO
Sustentando a posição do CONFAZ, a Procuradora da Fazenda Nacional, CLÁUDIA
GUSMÃO (1997), emitiu em novembro de 97o Parecer PGFN/CAT/N° 1.093/97 concluindo que
o serviço prestado pelos provedores de acesso ou informações, desde que tenham caráter oneroso
(negocial/comercial), estão incluídos na hipótese descrita no inciso III do art. 2° da Lei
Complementar n° 87, de 13 de setembro de 1996, na modalidade de serviço de comunicação,
incidindo sobre este serviço o ICMS:
"....chegamos à conclusão de que o serviço de comunicação via internet está alcançado pela
norma do art. 155,11 da Constituição. O provedor, até então, vinha recolhendo o ISS, segundo
informações da Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede
Internet - ABRANET, em correspondência enviada ao Conselho Técnico Permanente do ICMS -
C OTEPE. No entanto, sabemos que uma vez comprovado que a prestação do serviço está no âmbito
do imposto estadual fica afastada, automaticamente, a cobrança do imposto municipal, uma vez que
nos termos do art. 156, III, da vigente Constituição, o âmbito do ISS compreende os serviços de
qualquer natureza, não compreendidos na competência tributária estadual".
O "SOFTWARE DE PRATELEIRA"
No caso anterior registra-se que ainda não há urna decisão judicial superior. Não é o que
ocorre, entretanto, quando o tema envolve o chamado "software de prateleira", sobre o qual o STF já
decidiu, por unanimidade, que a atividade é tributável via ICMS, nos termos do voto do relator,
Ministro Sepúlveda Pertence.
"Software de prateleira", segundo LOBO & IBEAS, é aquele elaborado para a generalidade
de certo tipo de usuário (e não em vista das especiais necessidades de um determinado usuário), que é
gravado em série, em uma certa quantidade de veículos materiais (discos, disquetes, fitas), veículos
materiais esses que são mantidos em estoque e colocados à disposição dos interessados em usar o
software; é um dos pólos da classificação de software, que tem no outro lado o "software por
encomenda". Neste último caso, o "software" é produzido em função das específicas necessidades do
usuário, mediante prévia encomenda deste.
14. IMUNIDADE DO LIVRO ELETRÔNICO
A imunidade prevista no art. 150, VI, "d" da CF/88 para os livros atendeu ao apelo
formulado pelo Constituinte Jorge Amado, em 1946, no sentido de se criar condições para a
popularização da cultura. Mais de meio século depois, questiona-se se esta imunidade alcança
também o livro eletrônico.
Livro eletrônico (assim como periódicos e jornais), conforme ensina TERCIO
SAMPAIO (1996), é aquele que não está impresso em papel e tem como suporte um CD-ROM,
necessitando, para ser lido, de um software correspondente.
Ele entende que tanto o veículo livro, o periódico ou o jornal, enquanto mídias escritas não
perdem essa condição por usarem outros suportes que não o papel.
No Brasil, duas correntes hoje formulam a doutrina sobre o tema: a primeira, da qual fazem
parte OSWALDO SARAIVA JUNIOR, RICARDO LOBO TORRES e outros juristas entende e,
para tanto, invoca jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal, que os livros e os periódicos,
1:41.0.1.4■MIG ca
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A administração dos cibertributos
abrangidos pela imunidade são os produtos finais, já prontos, não alcançando os insumos, mas tão
somente, "qualquer material relacionado ou suscetível de ser assimilado ao papel no processo de
impressão". Para alguns expoentes dessa corrente, como o Ministro do Supremo Tribunal Federal,
NERI DA SILVEIRA, "não há livro, periódico ou jornal sem o papel".
A segunda corrente, representada por JOSÉ EDUARDO MELLO, HUGO DE BRITO
MACHADO, JAYME ARCOVERDE FILHO e o Ministro do Supremo Tribunal Federal,
MARCO AURÉLIO, não admite interpretação restritiva do artigo 150, inciso VI, alínea "d", da
Constituição, para excluir os livros e jornais publicados em mídia eletrônica (CD-ROMs, disquetes e
outras) da imunidade objetiva à incidência de impostos. Tampouco admite a concepção de que a única
forma de apresentação do livro é o papel.
Essa corrente traz à baila argumentos bastante pertinentes a respeito da conceituação de
livros e periódicos, para fins de enquadramento fiscal ao regime da imunidade. ARCOVERDE, em
artigo publicado no volume 27 da "Revista Dialética de Direito Tributário", cita estudo realizado por
TEIXEIRA DE OLIVEIRA na obra "A Fascinante História do Livro", onde este autor transcreve
passagens colhidas de Ulpiano, que ressaltam a variedade do suporte físico do livro ao longo da
história, a fim de demonstrar que "...a palavra livro compreende todos os volumes de papiro, de
pergaminho ou de qualquer outra matéria; abrange também os volumes de casca de árvores ou de
qualquer outra substância do mesmo gênero."
HUGO DE BRITO MACHADO (1997) não tem a menor dúvida de que a imunidade
prevista na CF/88 se aplica ao livro eletrônico, ou aos periódicos editados na internet. Ele lembra que
um dos princípios que norteia o moderno constitucionalismo é o da máxima efetividade, conforme
defendido por J.J. CANOTILHO. Este princípio, aliado a uma interpretação evolutiva, indica que o
principal valor defendido pela imunidade constitucional qual seja, a liberdade de manifestação e
expressão encontra seu correspondente no sistema atual na defesa da imunidade ao livro eletrônico.
15. IMUNIDADE DO ENSINO À DISTÂNCIA
O ensino à distância é regulamentado pela Lei n° 9394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional). O Decreto n° 2,494, de 10 de fevereiro de 1998 que
regulamenta o art. 80 da Lei n° 9.394 conceitua, em seu art. 1, caput, educação a distância corno urna
forma de ensino que possibilita a auto-aprendizagem, com a mediação de recursos didáticos
sistematicamente organizados, apresentados em diferentes suportes de informação, utilizados
isoladamente ou combinados e veiculados pelos diversos meios de comunicação.
O ensino à distância é, segundo o Vice-Presidente para Pesquisa e Desenvolvimento da
Associação Brasileira de Tecnologia Educacional, professor LOBO NETO (1999), uma
modalidade de realizar o processo educacional quando, não ocorrendo - no todo ou em parte - o
encontro presencial do educador e do educando, promove-se a comunicação educativa, através de
meios capazes de suprir a distância que os separa fisicamente.
Do ponto de vista da imunidade tributária, assegurada pela CF/88, art. VI, "c", às
instituições de educação sem fins lucrativos, não resta dúvidas de que esta não-incidência
constitucional aplica-se em toda sua amplitude àquelas entidades que utilizam o ensino à distância
como meio de difusão educacional.
Segundo LOBO TORRES (1995), esta "vera imunidade tributária" é um dos aspectos que
protege aquilo que ele designa por "mínimo existencial". A educação é um direito fundamental
inalienável, ao lado da cultura, da saúde. A justificativa de tal imunidade está na proteção da liberdade.
MOIrm.C.40
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Revista de Ciências da Administração
Relevante, para compreender as possibilidades e dificuldades desta forma de ensino, é o
estudo feito por DULCE CRUZ e RICARDO BARCIA (1999), sobre cursos de ensino à distância
(videoconferência e internet) oferecidos pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia de
Produção da UFSC, para duas empresas de grande porte, quais sejam, a Petrobrás e a Siemmens.
Neste início de novo milênio, podemos afirmar que está prestes a se concretizar a previsão
feita por WILLIAM HARPER, em 1886, segundo a' qual "chegará o dia que o volume da instrução
recebida por correspondência será maior do que o transmitido nas aulas de nossas escolas; em que o
número de estudantes por correspondência ultrapassará o dos presenciais".
16. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na atualidade, o comércio eletrônico é sem dúvida, a face mais visível da intemet, o
setor para o qual se volta a maioria das atenções. É, por isso mesmo, o campo em que os
administradores podem mais facilmente atuar, seja no que diz respeito à organização,
seja no que se refere ao desenvolvimento de mecanismos de vendas e marketing digital;
Por envolver relações contratuais, movimentação e transferências de recursos, a
administração dos negócios no ciberespaço deve estar permanentemente atenta aos
aspectos legais desta atividade, e em especial aqueles que envolvem a tributação;
O estudo dos cibertributos, como visto, é um campo que somente agora começa a ser
desenvolvido pelos especialistas, como reflexo do crescimento do comércio eletrônico
na internet. Como tal, ainda não possui uma teoria formada e a questão jurisprudencial
ainda não está consolidada;
A internet, enquanto plataforma tecnológica, sem dúvida possibilita um avanço
considerável em termos de benefício para o contribuinte e para o setor público
encarregado da arrecadação tributária, corno restou comprovado no caso do
recolhimento do imposto de renda através da rede;
Quer nos parecer que todas as imunidades consagradas pela CF/88 se aplicam também
ao mundo digital, como nos exemplos citados do livro eletrônico e do ensino à
distância;
Isto reforça nossa convicção de que a legislação do "mundo real" pode ser aplicada aos
fatos e atos jurídicos praticados no "mundo digital", na medida em que não haja uma
legislação específica regulamentadora do ciberespaço;
Mais do que nunca administradores, operadores jurídicos e educadores devem voltar
suas atenções para as inovações proporcionadas pela realidade digital, que influenciam
todos os setores da vida em sociedade.
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